
Li Hoje
Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.
Ladram uns cães a distância
Ladram uns cães a distância
Cai uma tarde qualquer,
Do campo vem a fragrância
De campo, e eu deixo de ver.
Um sonho meio sonhado,
Em que o campo transparece,
Está em mim, está a meu lado,
Ora me lembra ou me esquece,
E assim neste ócio profundo
Sem males vistos ou bens,
Sinto que todo este mundo
É um largo onde ladram cães.
Maravilha-te, memória!
MARAVILHA-TE, memória!
Lembras o que nunca foi,
E a perda daquela história
Mais que uma perda me dói.
Meus contos de fadas meus -
Rasgaram-lhe a última folha...
Meus cansaços são ateus
Dos deuses da minha escolha...
Mas tu, memória, condizes
Com o que nunca existiu...
Torna-me aos dias felizes
E deixa chorar quem riu.
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